Tão simples e tão complexo autismo

No autismo, cada família sente e compartilha suas experiências de diferentes pontos de vista. O espectro autista é tão amplo que duas pessoas recebem o mesmo diagnóstico, mas podem apresentar conjuntos de características completamente distintos.

Para algumas famílias, o diagnóstico foi um aprendizado, uma luz, uma evolução. Para outras, foi devastador, algo muito negativo, uma destruição.

Algumas pessoas dentro do espectro evoluem bem, desenvolvem autonomia e tornam-se boas referências. Outras desenvolvem comorbidades, comportamentos difíceis, regressão. Algumas precisam de dietas, remédios, ou apenas um pouco de terapia. Há tanta diversidade que torna-se impossível chegar a um consenso de opiniões.

Para exemplificar um pouco essa diversidade, compartilho aqui o depoimento de uma mãe – Leticia Menna Barreto – cujas duas filhas estão dentro do espectro, mas são completamente diferentes…

“Por falar em variedade no espectro do autismo, vou contar um pouco sobre minhas filhas Julia e Gabriela. Ambas já são adultas e completamente diferentes em tudo, a começar pela aparência física. Nem parecem irmãs. Gabriela tem autismo clássico, Julia é aspie. Gabriela não é verbal, Julia fala pelos cotovelos. Gabriela tem excelente senso de direção, Julia se perde na primeira esquina. Julia quer namorar, Gabriela nem imagina o que seja isso. Julia nos explica sobre suas angústias, Gabriela chora e morde as mãos. Julia é extremamente vaidosa, Gabriela depende de mim para se cuidar. Julia é super bagunceira, Gabriela é super organizada.
Julia esquece tudo, Gabriela tem memória invejável. As diferenças são muitas, you name it.
Antes do nascimento das duas, meu marido e eu mal sabíamos o que é autismo. O desafio nos foi imposto e nos vimos obrigados a praticamente descartar tudo que sabíamos e acreditávamos, para recomeçar o entendimento sobre a vida a partir do zero.
Começamos a nos preocupar com Gabriela muito cedo, pois ela logo mostrou seus sinais. Mas com a Julia foi diferente, já que a questão era quase imperceptível na primeira infância. A chapa começou a esquentar na pré adolescência, quando ela apresentou grande dificuldade de socialização na escola, voltava todos os dias para casa chorando por conta do bullying, não sabia como lidar com as paixonites características da idade, não dava conta das tarefas escolares, não acompanhava as aulas como os outros, não aceitava nenhum tipo de pressão, não se encaixava nos grupinhos das meninas, ficou caótica em tudo e a vida dela virou de ponta cabeça.
Minha preocupação com ela me levou a procurar diversos profissionais, que me diziam que todas essas questões eram “conflitos de adolescentes”. O diagnóstico correto só veio quando ela já tinha 19 anos.
Até lá, ela teve tempo suficiente pra desenvolver repetidos episódios de depressão (um deles com psicose), dismorfia corporal e diversas obsessões. Não conseguiu concluir a universidade de Belas Artes que tanto almejou e saiu no segundo ano. O prejuízo foi enorme e ela vem pagando essa conta até hoje.
Por mais que eu entenda que fiz tudo que estava ao meu alcance, me desdobrei em mil para dar conta de tudo, jamais negligenciei e cansei de passar por cima de mim mesma em favor de minhas filhas, penso que diferença um diagnóstico e tratamento corretos teriam feito.
A conclusão é: não importa em que ponto do espectro a pessoa esteja, o tratamento sempre será fundamental. O diagnóstico correto é uma benção, uma luz, uma explicação, um norte. O devido acompanhamento sempre será necessário, é preciso atender as necessidades daquele indivíduo específico, de maneira que o favoreça e melhore sua qualidade de vida. Cada um tem as suas questões, e todas são dignas de respeito, consideração e atenção.
Também penso no quanto foi importante que meu marido e eu tenhamos unido forças para cuidar das duas. A situação pede sempre união, e a vida nos ensinou a jamais minimizar a dor alheia. Cada dor tem um formato e tamanho, mas TODAS SÃO DORES!”

Bem, apesar das tantas dificuldades que o autismo pode carregar, existe um ponto de concordância entre todas as famílias: o amor por essas pessoas é profundo, sejam elas adultos ou crianças. Não é necessário amar ou odiar o autismo, basta respeitar a batalha de cada um…

Por Amanda Puly

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