As fixações e o autismo
Todos nós temos coisas sobre as quais gostamos de pensar e falar. São nossos maiores interesses, assuntos que nos motivam a estudar e conversar. Em geral, é fácil perceber quando o nosso assunto preferido não é lá tão interessante para as outras pessoas. Automaticamente paramos de falar quando percebemos que o nosso assunto aborrece quem está ouvindo. Mas e quando esse interesse é tão intenso que faz com que o indivíduo não consiga se desligar ou ainda atrapalhe seu funcionamento cotiano?
É muito comum que as crianças autistas desenvolvam fixação por algum objeto ou personagem. Números, carros, mapas, dinossauros, aviões, letras são alguns exemplos. À medida que crescem, os interesses mudam (games, Lego, literatura, armas, desenhos…), mas essa característica se mantém. Essa fixação, também chamada de hiperfoco, é geralmente muito intensa, quase uma obsessão.
O primeiro impulso dos pais é acatar e contribuir com essa obsessão. Eu me incluo nessa! Sem saber, comprava tudo que se referia a um personagem que meu filho gostava: joguinhos, quebra-cabeça, jogo da memória, mochila, peças de roupa, etc. É o caso também daqueles que gostam de colecionar. Alimentamos mais e mais o vício da criança, sem saber que podemos estar prejudicando-a.
Por que eles desenvolvem fixações?
Pessoas com autismo gostam de rotinas, de previsibilidade, de monotonia. É uma forma de se sentirem seguros, protegidos.
O problema é que elas ficam tão fascinadas com seu tema de interesse que acabam não compreendendo que as outras pessoas ao seu redor não compartilham com a mesma intensidade deste interesse. E o resultado é, em muitos casos, a rejeição social e o isolamento.
Devo manter ou retirar?
Os objetos de fixações costuma deixar as pessoas com autismo menos ansiosas, mas podem ser tão prejudiciais como qualquer vício. Essa insistência na mesmice pode comprometer o desenvolvimento social, além de bloquear a exploração e o conhecimento de coisas novas. Mas nunca devem ser retirados bruscamente, pois isso pode ser traumático e causar um dano ainda maior. Podemos usá-los para nos aproximar e conquistar a criança, mas gradualmente devemos apresentar a ela novas possibilidades, modelando seus hábitos:
- Ao invés de ter uma coleção de carrinhos, ensine seu filho a brincar de diversas formas com eles: faça um lava car, monte uma pista colando fita crepe no chão, faça uma cidade usando blocos de montar ou sucata, por exemplo.
- Não faça coleções de livros ou gibis. Mostre lugares onde eles podem ser trocados, como sebos ou com outros amiguinhos que também tenham os mesmos interesses. Evite o acúmulo sem função.
- Leve-o a lugares onde ele possa descobrir novos interesses: o zoológico possui uma infinidade de animais diferentes, bibliotecas possuem variedades de jogos, livros e até contações de histórias.
- Tenha contato com outras mães com as quais você possa combinar encontros ou piqueniques.
- Peça ajuda a outras pessoas do convívio da criança que conversem sobre assuntos diversos. Podem utilizar o objeto de interesse restrito para se aproximar dela, mas não ficar somente neste assunto.
- Uma simples caminhada até o supermercado ou panificadora oferece muitos assuntos que podem ser explorados: carros, natureza, vizinhos, sons, placas…
Usando as preferências para conseguir cooperação
As fixações também podem ser usadas como ferramenta para o desenvolvimento, atrelando novas informações aos assuntos de interesse.
É através do tema de hiperfoco que conseguiremos expandir informações para outras áreas. Por exemplo:
- Se a criança gosta trens, posso colocar animais nos vagões, imitar os sons do trem, contar o número de vagões, explorar cores diferentes.
- Se o interesse da criança é pelos números, podemos colocar rostinhos nos números representando emoções, brincar com receitas culinárias, observar os números em um ambiente diferente, como o supermercado, etc.
- Se ela gosta de cavalos, pode-se iniciar a interação perguntando o nome do cavalo, a cor, a idade, o tamanho. Podemos explorar as partes do corpo do cavalo, a quantidade de patas e orelhas, o som que ele faz, como se escreve a palavra “cavalo”, etc.
Dessa forma, usamos esse comportamento repetitivo a nosso favor, despertando o interesse da criança, ampliando seu conhecimento e tirando-a do isolamento.
Pela comodidade, às vezes mantemos e alimentamos o interesse restrito da criança. É mais fácil. Porém, empenhar-se em reverter uma fixação que pode se tornar um vício compulsivo é muito mais importante. Pode representar a chave para o desenvolvimento social desta criança.
Por Amanda Puly
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